Mantida responsabilidade subsidiária de município que não demonstrou fiscalização em contrato de terceirização.

18/06/2020

O município não comprovou ter adotado medidas para a fiel execução do contrato e para resguardar os direitos trabalhistas.

O ente público deve provar que efetivamente fiscalizou contrato de terceirização para não ser responsabilizado subsidiariamente. Assim prevê a Tese Jurídica Prevalecente nº 23 do TRT de Minas, invocada pelos julgadores da Quinta Turma, ao rejeitarem a pretensão de um município mineiro de se ver livre da condenação imposta em primeiro grau.

Para o relator do recurso, desembargador Manoel Barbosa da Silva, ficou claro pelas provas que o município deixou de fiscalizar o cumprimento de obrigações legais da empresa prestadora de serviços em face dos seus empregados. Por esse motivo, decidiu manter a responsabilidade por créditos trabalhistas devidos à autora da ação, uma trabalhadora terceirizada.

No caso, a prestação de serviços se deu a uma escola municipal por meio de uma empresa de consultoria que não pagou as verbas trabalhistas à empregada. Ao analisar o recurso, o relator observou que o município não apresentou nos autos nem mesmo documentos previstos no contrato administrativo para pagamento das notas fiscais, como certidão negativa de débitos previdenciários e FGTS. “Não há nenhuma prova de que tenha adotado medidas no intuito de fazer valer a fiel execução do contrato, inclusive para resguardar os direitos trabalhistas”, destacou.

Responsabilidade objetiva – O relator aplicou a Tese Jurídica Prevalecente nº 23 do TRT-MG, fixada pelo Pleno no julgamento do incidente de uniformização de jurisprudência IUJ/TRT 0011608-93.2017.5.03.000 (processo originário 0010522-21.2014.5.03.0153-RO). Segundo explicou, sob a ótica uniformizada, retomou-se o entendimento que há muito vinha sendo adotado, no sentido de que o tomador dos serviços, ainda que órgão pertencente à Administração Pública, responde subsidiariamente pelos créditos trabalhistas dos empregados da empresa prestadora. Isso se dá pela má escolha e ausência de fiscalização na execução do contrato e diante da previsão constitucional da responsabilidade objetiva das pessoas jurídicas de direito público e das de direito privado prestadoras de serviços públicos (artigo 37, inciso XXII, parágrafo 6º, da CR).

De acordo com o magistrado, trata-se de responsabilidade acessória do tomador dos serviços quando se descuidar da obrigação de zelar pelo efetivo cumprimento dos direitos trabalhistas do empregado da fornecedora de mão de obra ou de qualquer outro dever legal. O entendimento é previsto na Súmula nº 331, itens IV e V, do TST.

Culpa in vigilando – Ele também fundamentou não violar a decisão a legislação constitucional ou infraconstitucional. Apontou que, certamente, o artigo 71, parágrafo 1º, da Lei nº 8.666/93 levou em consideração o cumprimento de todas as obrigações previstas nos demais dispositivos da lei ao excluir a responsabilidade civil da Administração Pública. Nesse sentido, decidiu o STF em julgamentos ocorridos, após o que firmou a Tese 246 de Repercussão Geral (no sentido de que é preciso comprovar a culpa in vigilando para o reconhecimento da responsabilidade subsidiária da Administração Pública quanto a essas obrigações trabalhistas decorrentes da contratação da empresa), em 26 de abril de 2017 (acórdão publicado em 12 de setembro de 2017). O julgador registrou que apenas dois ministros ficaram vencidos, um em cada uma das Turmas.

Processo licitatório – Com relação à contratação por processo licitatório, ressaltou não provar a idoneidade financeira da empresa. Isso considerando que qualquer empresa sem tempo de atuação no mercado e sem um único bem móvel ou imóvel consegue com facilidade as certidões necessárias para participação em licitação.

Na decisão, o magistrado repudiou a possibilidade de os trabalhadores, parte economicamente mais fraca da relação, saírem prejudicados. Principalmente no caso, em que houve omissão do empregador no pagamento integral das verbas rescisórias e de recolhimento do FGTS do período trabalhado, vale-transporte, além de horas extras e redução de intervalo intrajornada. Para o relator, a falta de averiguação da idoneidade econômica da empresa contratada e também de comprovação da exigência da garantia contratual configuram culpa da contratante e autorizam a condenação subsidiária.

Recolhimentos previdenciários por contratado – E mais. Lembrou que o parágrafo 2º do artigo 71 da Lei nº 8666/93 estabelece a responsabilidade solidária da Administração Pública pelos encargos previdenciários resultantes da execução do contrato, nos termos do artigo 31 da Lei nº 8.212/91. Ademais, historicamente, o crédito trabalhista gozou de preferência sobre o crédito tributário, conforme se infere dos artigos 184 e 186 do Código Tributário Nacional, reconhecido pelo STF com eficácia de lei complementar. Segundo o julgador, a condenação se ampara também nos artigos 186 e 927 do Código Civil. Ademais, se a própria Lei nº 9.032/95 atribui à Administração Pública tomadora de serviços a obrigação de realizar os recolhimentos previdenciários devidos por seu contratado, não se pode entender que os créditos trabalhistas, privilegiados, recebam tratamento menos favorável.

Garantia da satisfação dos direitos do trabalhador – Outro aspecto ressaltado foi o de que, na esfera trabalhista, aplica-se a norma do artigo 421 do Código Civil, que positiva o princípio da função social aos contratos de trabalho e aos contratos que literalmente eliminam, reduzem ou mitigam a rede de segurança do trabalhador.

O relator ainda lembrou que, nos contratos em geral, a responsabilização não se limita às partes que se fazem formalmente constar. Assim, muito mais se deve dizer em relação ao contrato de trabalho celebrado em função de outro contrato. Como apontou, a responsabilidade subsidiária tem por objetivo incluir o tomador de serviços (que se assemelha ao fiador ou avalista) na garantia da plena satisfação dos direitos decorrentes do trabalho do autor da ação. Deve incidir não apenas sobre as obrigações principais, mas sobre todos os débitos trabalhistas deferidos, inclusive multas (por exemplo, artigos 467 e 477 da CLT) e indenizações substitutivas de obrigações de fazer imputadas à real empregadora.

Execução contra o responsável subsidiário – Na decisão, foi apontado que, caso o município pague os créditos trabalhistas reconhecidos judicialmente, deve mover ação de regresso contra a devedora principal e seus sócios. “Inadmissível relegar o trabalhador que vende sua força de trabalho, parte de sua vida, para subsistência própria e da família, às chicanas intermináveis, batendo de porta em porta o que lhe é devido por direito e por justiça, inclusive créditos garantidos em regra constitucional, como se fosse mendigo”, avaliou o desembargador.

Ele também chamou a atenção para o entendimento consubstanciado na OJ 18 das Turmas do TRT-MG, segundo a qual a execução prévia dos sócios do devedor principal inadimplente é inexigível para o direcionamento da execução contra o responsável subsidiário.

Por unanimidade, os julgadores da Turma, acompanhando o voto, mantiveram a sentença, apenas dando provimento ao recurso para limitar a data dos créditos deferidos na sentença à data do encerramento do contrato administrativo entre os réus.

Processo

 PJe: 0012307-91.2017.5.03.0030 (RO) — Data: 24/03/2020.

Fonte: TRT3