Declarado inconstitucional dispositivo de lei que previa doação de bem público sem licitação.

Os desembargadores que integram o Pleno do Tribunal de Justiça, à unanimidade de votos, julgaram procedente Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pelo procurador-geral de Justiça para declarar a inconstitucionalidade do artigo 1º, caput e § 3º, da Lei nº 631/2009, do Município de Cerro Corá, que dispôs sobre doação de bens imóveis municipais, dispensando, na hipótese, a licitação.

Na Ação Direta de Inconstitucionalidade, o procurador-geral de Justiça sustentou a inconstitucionalidade formal do dispositivo legal afirmando que este tratou sobre a alienação do bem público de propriedade do Município, matéria de competência concorrente, sem observar regra geral da União, não observando o art. 30 da Constituição Federal, reproduzido na Carta Política do Estado do Rio Grande do Norte em seu art. 24.

Destacou, ainda, a ocorrência de inconstitucionalidade material do art. 1º, caput e parágrafo 3º, da Lei Municipal n.º 631/2009 de Cerro Corá, sob alegação de que estes dispositivos afrontam os termos do art. 23, parágrafo único e 26, caput, ambos da Constituição Estadual, eis que autorizam doação de bem público sem prévia autorização por meio de lei específica, bem como sem que seja realizada a licitação, em evidente inobservância dos princípios da moralidade e impessoalidade.

Alegações da Câmara e do Município

A Câmara Municipal de Cerro Corá sustentou inocorrência de inconstitucionalidade formal, sob o fundamento de que o Art. 24 da Constituição Estadual tão somente dispõe quanto a competência dos municípios para legislarem o seu peculiar interesse, sem conferir atribuições privativas a este ou aquele poder.

Todavia, concorda quanto à alegação de inconstitucionalidade material entendendo que a lei fustigada carrega consigo patente vício material ao tratar sobre a alienação do bem público de propriedade do Município, sem, contudo, mencionar o necessário procedimento licitatório para casos desta natureza, dispensando-o implicitamente, em contraposição ao que prevê a legislação federal sobre o tema.

Já o Município de Cerro Corá sustentou que o espírito dos dispositivos impugnados não é o de doar patrimônio público a particulares de forma indistinta, mas regularizar a situação dos imóveis municipais, quase que em sua ampla totalidade, na medida em que estes não possuíam escritura pública em cartório, mas apenas título precário que não outorgava aos possuidores, o status de proprietário do imóvel por ele adquiridos de boa-fé, com base em justo título.

Decisão

O relator, desembargador Amaury Moura, explicou que sendo certo que a Administração somente poderá fazer doação dos seus bens quando for conveniente e vantajoso para si, mediante autorização legislativa, da leitura dos dispositivos impugnados, observou que não é possível aferir o interesse público no ato de doação de bem imóvel do Poder Público, que justifica a dispensa da licitação, o qual deve ser específico e concreto, não genérico.

“À evidência, o texto normativo impugnado, ao dissentir de tal proposição jurídica, dispensando a licitação no caso da doação efetuada, viola o seu conteúdo essencial, razão pela qual há de se reconhecer sua incompatibilidade vertical com a Carta Potiguar”, considerou.

Comentou ainda que, além disso, a lei impugnada transgride, ainda, os princípios da moralidade e impessoalidade, porque beneficia determinados particulares em detrimento dos demais administrados, sem qualquer critério objetivo de escolha, de modo obstaculizar o controle social e jurídico a respeito de sua legitimidade.

(Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 0801210-89.2021.8.20.0000)

Fonte: TJRN